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Memórias

JOSELINA DA SILVA

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Iniciaremos com alguns temas abrangentes sobre a sua trajetória de vida presente em alguns fragmentos extraídos de suas pesquisas, compartilhadas para este estudo, intituladas “De estudantes a professoras universitárias: docentes negras construindo práticas de enfrentamento ao racismo” (2018) e “Dialogando autoetnografias negras: intersecções de vozes, saberes e práticas docentes” (2019) , portanto textos autorais, que segundo a pesquisadora enquadra-se como “autoetnografias” e enfoca no saber e o fazer cientifico de professoras negras, onde ela é uma das protagonistas que tem a trajetória narrada em primeira pessoa, complementaremos em seguida com texto autoral “Meu Baobá Genealógico: Histórias e memórias de mulheres que me sustentam” (2019). Dentre as pesquisadoras, a professora Joselina é a única que não disponibilizou memorial análise. Ela informou que não tinha um atualizado, pois a última vez que precisou de um foi há mais de 10 anos atrás (conversa presencial). Vejamos:

 

Da docência – Primeira Incursão – o Pai

 

[...] Eu não desejava e era desestimulada por meu pai a ser professora. Acredito que ele – diferentemente de sua geração - não visse valor nesta profissão. Após o ginásio, era a hora de escolher o segundo grau. Só havia três cursos disponíveis o Normal, o Científico e o Secretariado. Escolhi o primeiro, pois era o único que me permitiria, aos dezenove anos, ter a possibilidade de ingressar no mercado de trabalho, para lecionar. Assim, não dependeria financeiramente de meu pai. Nossa economia vinha de uma barraca de camelô, no Centro de Duque de Caxias (RJ), onde meu pai vendia, ervas medicinais. Ele era um erveiro. O sonho dele é que me tornasse jornalista, como a Glória Maria, que víamos diariamente, no jornal noturno da televisão.

 

Do Racismo – Segunda incursão – “Amizades”

 

[...] Cresci ouvindo sempre expressões do tipo: “Ah... ela é negra, mas é inteligente”, como se o fato de me esforçar por estudar e saber, compensasse o fato de ser negra, por conseguinte, me tornasse inferior aos outros. Sendo “inteligente”, eu não era vista mais como negra e, por isso, era embranquecida. Esse, “mas”, era a condição para que transitasse livremente, em lugares onde boa parte das pessoas eram em sua maioria brancas. Era uma “negra de alma branca”, como a maioria dos meus amigos (as), diziam. Essas situações acabaram por fazer com que eu embutisse de fato a ideia de inferioridade e subordinação, por um bom tempo, interferindo na construção de uma identidade negativa sobre mim [...].

 

Graduação – Segunda Incursão – Universidade

 

Eu - Joselina da Silva – tive minha graduação num período sócio histórico – década de setenta, no curso de Letras - em que estes núcleos e grupos [NEABs] de estudos não eram uma realidade. Ao contrário, discussões desta ordem eram explicadas como do campo dos movimentos sociais, portanto, rechaçadas no âmbito acadêmico.

Por frequentar palestras semanalmente ministradas no CEBA6 ou no IPCN7, era eu que contribuía com as reflexões e questionamentos, sobre gênero e raça, em sala de aula. Após essa experiência como estudante, a continuidade no percurso de escolarização foi sendo qualificada no debate e na percepção da invisibilidade das pessoas negras, principalmente mulheres negras, nos espaços públicos e de poder. Tive grande professores e professoras. Eram os (as) ativistas do Bloco Afro Agbara Dudu8, do CEAP9 e do movimento de mulheres negras.

[...] sou de uma época – anos setenta - em que as disciplinas específicas de Gênero e raça, ao lado dos atuais NEABs10. Com pouco mais de vinte anos - foi o engajamento no movimento negro que complementou as ferramentas que eu iniciara por receber em casa. Por conseguinte, ao ingressar na docência eu já sabia que teria que levar adiante ambos os ensinamentos: os de casa e os do movimento.

 

Religiosidade – Terceira Incursão – Candomblé / Umbanda

 

[...] Nosso terreiro estava há cerca de meia hora andando, até a Casa Babalaô Joãozinho da Gomeía, aclamado Rei do Candomblé. Naquele período, o famoso Pai de Santo, recebia em sua casa autoridades policiais, políticas e artistas famosos, das mais variadas vertentes. Suas festas, no Bairro Copacabana (na Cidade de Duque de Caxias, RJ), eram cobertas positivamente pela grande mídia da época. Revistas como O Cruzeiro e Fatos e Fotos, ao lado de jornais como o Diário de Notícias traziam estampadas em primeira página, o júbilo de cada momento público religioso daquela casa da Nação Angola.

Creio que isto ajudava a proteger as inúmeras casas afro religiosas da vizinhança. Eu, por minha vez, era a filha do Seu Manoel Baiano, Babalorixá e Quandalá da Oxum, Ialorixá. Respeitada também por ser a que entregava os saquinhos de doces repletos, durante as festas de São Cosme e Damião. Muitas crianças e jovens desejavam ser meus amigos. O empoderamento dado a mim pelo candomblé atuou como blindagem contra o racismo, até porque sempre ouvi em casa: - Você é negra, tem que estudar! Em outras ocasiões também ouvia: -Estude para não depender de marido. Certamente, estas últimas eram lições de feminismo – sem esse nome- transmitidas por minha sábia avó, dona Maria Ambrósia de Jesus.

 

Machismo e Racismo – Quarta Incursão - Feminismo negro

 

Sempre tive - Joselina da Silva- quadris maiores que as meninas de minha faixa etária. Na infância fui apelidada, no pequeno quintal da Professora Dona Irene, de nega postafem pelos meninos [Dizia-se, popularmente à época, que este medicamento ajudava a engordar e aumentar os quadris das mulheres que o ingerissem. Nunca soube da veracidade destas afirmações.]. Já as meninas me perseguiam para levantar minha saia e ver se eu estava com algum enchimento. A mesma complexão corporal se transformou em quase tormento durante a adolescência. A cintura delineada e os quadris ressaltados emitiam, no entender de muitos homens – de diferentes faixas etárias – uma mensagem de sensualidade ao dispor de todos. Sem saber, eu representava uma bandeira de sexualização imaginária de um corpo feminino negro. Epítetos e insinuações misóginas eram emitidos em minha direção, mesmo, em sala de aula, como aluna adolescente.

 

Professora Universitária – Quinta Incursão – Relações acadêmicas profissionais

 

Esta visão determinística que posiciona, a nós, mulheres negras como eternas integrantes de lugares subalternizados, também se abateu sobre mim – Joselina da Silva- quando atuei no Ceará. Por estar num campus de interior (Juazeiro do Norte), grande parte do processo burocrático administrativo era decidido na capital, no campus Fortaleza, que ficava acerca de oito horas de distância. Encaminhei-me ao setor de pessoal para buscar uma carteira funcional. Fui recebida por um funcionário, apresentei-me como professora e informei a razão de minha presença. Fiquei aguardando em uma sala vazia de onde ouvia vozes de pessoas trabalhando. Minutos depois, uma outra funcionária – mulher branca de cabelos artificialmente aloirados – surgiu e perguntou se eu era a mulher dos serviços gerais. Ao perceber o equívoco, o primeiro funcionário reapareceu imediatamente e disse quem eu era. A mulher retirou-se desconsertada e sem se desculpar. Quando finalmente recebi o documento dirigi-me ao cidadão que me atendera inicialmente e pedi-lhe que informasse à sua colega que nem todas as mulheres negras atuam nos serviços de faxina. E que ali estava uma professora adjunta, logo, com doutorado. Preferi retirar-me sem aguardar possíveis argumentações.

 

Influência da Vovó Maria Ambrósia

 

Sou de uma geração em que se aprendia a ler com as avós. No meu tempo, esta cultura estava quase chegando ao fim, nas franjas e periferias das cidades. Mas, consegui me beneficiar dela. Ainda foi possível chegar à escola já sabendo ler jornais – a Luta Democrática, era o mais popular da época - escrever e contar até cem, aos meus seis anos de idade.

Estudar com vó era mais que ser alfabetizada com as letras. Muitos outros ensinamentos eram espargidos em nossas tenras idades. Recebíamos, acima de tudo, amor, atenção e experiência de vida. Eu fui alfabetizada como quem fingia que estava na escola. Nosso terreno era daqueles em que há diferentes planos. Nossa casa ficava na frente. Quando eu pegava o caderno e subia as escadas, para encontrar vovó, eu dizia: - Mãe, já vou para a escola. Era bom brincar de saber ler e escrever.

Vovó era daquelas senhoras mineiras que tudo resolvia com rezas e chá de alguma folha do quintal ou dos matos que ainda existiam, nos terrenos baldios, em torno de casa. Meio calada diante dos desconhecidos e contadeira de casos entre amigos e família. Viveu numa casa nos fundos de nosso quintal até pelo menos meus dez anos, no Bairro Copacabana, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro.

Depois, foi morar em outro bairro, no Jardim Metrópolis, em São João do Meriti. Lá, era perto da casa de minha Tia Marina e meus quinze primos. Podia-se ir de ônibus da minha casa para a de minha tia, mas vovó preferia ir andando. - O ônibus demora tanto que a pé, chega mais rápido, dizia ela. Quando se mudou, surgiu a oportunidade para eu dormir em sua casa - quando meu pai permitia - e compartilhar a diminuta cama que só cabia ela. Mas, que se alargava e recebia a nós duas. Uma para cada lado. Eu ficava estática, para não chutar sua cabeça enquanto dormia.

Mais tarde, esta experiência foi importante nas viagens e atividades do movimento de mulheres negras. Muitas vezes tínhamos que compartilhar estreitos leitos ao final das reuniões de vários dias e noites, no processo de organização de nossas atividades políticas. Éramos muitas compartilhando pouca estrutura. Assim, acabávamos em casa de alguma companheira que nos abrigava nos bairros, cidades e regiões brasileiras. Era a época anterior aos financiamentos nacionais ou internacionais. Não podíamos arcar com despesas de hotéis.

Visitar vovó era a oportunidade de comer o melhor feijão do mundo. Uma iguaria de feijão, arroz, angu, couve e carne se tornava o melhor presente que vovó me podia oferecer. Enquanto escrevo sinto o sabor e aroma daquele prato especial em minha memória afetiva. Eu recebia feliz aquela honraria. Uma pequena casa, muito simples e com poucos móveis oferecia um palácio de oportunidades de estar com vovó só para mim. Por alguma razão, os primos e primas não a visitavam quando eu estava lá. Hoje, penso que Tia Marina dizia para que nos deixassem a sós. Afinal, ela estava ali, para eles e elas, todos os dias.

Na adolescência, era com ela que conversava sobre os namorados reais ou imaginados, por uma jovem que desde cedo experimentava o que depois se convencional chamar por solidão da mulher negra. Sempre fui daquelas meninas, jovens e mulheres de quadris largos. Isto foi uma tormenta para mim e um estímulo à fantasia dos homens de diferentes idades. O medo deles se fazia presente em mim. Vovó ouvia as histórias e dava conselhos.

 

Influências de Dona Dorva (mamãe). Mulher de Oxum

 

Sou aquariana. Daquelas que acredita que tudo quer, tudo pode e tudo enfrenta. Mamãe me deu rumo. Fez-me entender os limites e equilíbrios da vida. Eu teria sido das que tudo começa e nada termina. Ela me fez ter planos e sonhos. Todos compartilhados com a realidade. Sou das que briga e fala tudo a todo o momento. Sua voz me dizendo “A franqueza quando é demais muda de nome, passa a ser falta de educação”, faz eco em meus ouvidos vinte anos após seu falecimento. Ajudou-me a vislumbrar oportunidades onde eu não percebia sua existência. Revelou-me a importância de exercitar o silêncio, quando surgisse a oportunidade.

Minha mãe me colocou e me manteve no caminho da fé e das tradições religiosas que hoje dão sentido ao meu olhar sobre o mundo. Ela me ensinou a ser uma mulher negra de axé. Foi amiga, mas antes de tudo foi Mãe. Instruiu-me, por metáforas, a enxergar bondades e maldades das pessoas ao meu redor. Sempre foi sabiamente atenta.

Eu já adulta e ela carinhosamente trazia um docinho, uma bananada ou uma paçoca – comprada no vendedor ambulante do ônibus - para me presentar, na volta do trabalho. Assim, mantinha meu lado criança e nossa conexão de mulheres meninas, no compartilhar do doce, ao final da noite. Mulher que me levava de Duque de Caxias à capital, do Rio de Janeiro, para conhecer a cidade. Assim, me fazia entender que o mundo era maior que minha rua e meu bairro. Desta forma, me fez uma andarilha. Ela já sabia que em seria uma mulher de caminhos e estradas.

 

Influências de Sandra Bello (Movimento social de Mulheres e o Amor)

Do terceiro galho surgem vários que são as mulheres negras do movimento social. Aquelas com as quais aprendi a ser mulher negra ativista. Uma delas é Sandra Bello - hoje vivendo na Alemanha - me ensinou a ser articuladora, a discutir politicamente sobre nossos direitos e reivindicar e denunciar os racismos e sexismos. Certa vez, quando organizávamos o primeiro encontro de Mulheres Negras do Estado do Rio de Janeiro, em 1987, tivemos um grande apoio financeiro e logístico do gabinete de uma deputada branca feminista do estado. Era nossa primeira experiência, no Brasil de realizar um encontro de mulheres negras sem homens e sem mulheres brancas. Algumas assessoras da referida deputada manifestaram desejo de ir ao encontro e argumentavam que afinal haviam sido grandes responsáveis pela realização do evento. Não aceitavam serem deixadas de fora daquele momento histórico. Naquela oportunidade Sandra disse: - Agora é hora de vermos a verdadeira parceria. Se ela realmente existe, vão entender que este momento é nosso e deve ser respeitado.

Pelas mãos de Sandra me iniciei no amor às mulheres com alma e corpo. Também reaprendi a subir morros e comunidades no Rio de Janeiro. Nascida na Baixada Fluminense, acabei assimilando que os morros e favelas eram regiões perigosas às quais deveria evitar.

Antes de Sandra eu consegui saber que esta máxima do perigo não era real, através de minha participação no Bloco Afro Agbara Dudu, de Madureira, no início dos anos oitenta. Vera Mendes. Dinha, Márcia, Néia, Sílvia e as muitas mulheres do Agbara me levaram a subir morros e vielas no ativismo político cultural daquele grupo que arrombava as fronteiras entre morro e asfalto. Mas, foi com Sandra Bello que tive maiores vivências em comunidades, permanecendo inúmeras vezes no morro dos Cabritos.

 

Influências de Geni Oliveira (Militância)

 

[..] mulher atuante na Baixada Fluminense. Com ela, conheci várias cidades da região onde nasci e até hoje, sigo pouco familiarizada. Saberia ainda menos, caso não houvesse sido levada por Geni a encontrar, conversar, ouvir e ser ouvida por mulheres negras das cidades que margeiam a capital do Estado. Participei de várias reuniões com a presença de Geni Oliveira. Em algum momento, ela tomava a palavra e fazia uma análise de conjuntura atenta a nos conduzir as reflexões e caminhos de luta. Num jeito simples, com palavras precisas e ponderações esclarecedoras, ela ia nos ajudando na luta coletiva.

Certa vez, numa das nossas infindáveis conversas de bar, após cada reunião. Geni disse: - Ninguém financia revolução. Ali, aprendi que ao escrever projetos para serem financiados, temos que pensar ações e vocabulários a serem relatados, sob pena da não obtenção dos recursos. Hoje, esta conversa segue comigo, na escrita acadêmica. Diante da pressão que obriga os professores a produzir para publicar parafraseio e penso: “Ninguém publica textos revolucionários”

 

Influências de Gisele Audrey Mills (Internacionalização)

 

Um outro galho, nasceu em terras de Sojouner Thuth, Angela Davis e Michele Obama. Minha amiga Gisele Audrey Mills que conheci em 1987, durante uma reunião de mulheres negras. Ela havia trabalhado todo um ano, nos Estados Unidos reunindo a quantia necessária, para viver os doze meses seguintes, fazendo ativismo no Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro. Estamos habituados a receber afro estadunidense que vem nos pesquisar para seus trabalhos acadêmicos. Gisele, ao contrário, desejava compartilhar experiências técnicas, sobretudo, oficinas de vídeo e de sonorização.

Na Eco -92, foi a primeira a nos elucidar sobre os usos e utilização de algo novo e revolucionário, para a época: a internet. Explicou-nos e estimulou a ter nossos primeiros emails. Recordo-me dela, na sala do CEAP2, pacientemente nos introduzindo naquele mundo ainda misterioso.

Por seu intermédio e por um projeto coordenado por ela, fiz minha primeira viagem internacional, em mil novecentos e noventa. Nove meses visitando onze estados dos Estados Unidos, coordenados pelo Third World Women´s Project, do IPS (Institute for Police Studies). Foi a oportunidade de trocar e aprender com mulheres negras de diferentes partes do mundo.

 

Influências de Gwendolyn Snearl (Academia e o Sagrado)

 

Sou de uma geração de ativistas que costumava criticar os que ingressavam nas cátedras acadêmicas. Éramos chamados de traidores e assimiladores das teorias dos brancos. Sofri ainda mais, porque quando entrei no movimento eu já falava inglês fluentemente e era professora da língua. Então, eu além de traidora era disseminadora da cultura do colonizador. Foram anos difíceis. Afinal, era das aulas que mantinha a mim e a minha família com dignidade. Daí, quando me dei conta haviam - se passado vinte e cinco anos desde que eu terminara a universidade. Mestrado e doutorado eram os caminhos prováveis, embora jamais sonhados. Sofri outro baque ao fazer uma especialização e quando falei disto numa reunião, fui desqualificada por uma de nossas lideranças. - Especialização serve para que? Vai ajudar em que na luta?

Mas, ao preparar um currículo para umas palestras organizadas por Gwendolyn Snearl – em Baton Rouge, Estado da Luisiana, nos Estados Unidos – vi que estava a caminho da terceira década desde que terminara o curso de letras. O convite era para realizar uma série de atividades por dois meses, em várias cidades do sul do país, sob a coordenação da LSU (Luisiana State University). Dentre estas, em certa ocasião, ao terminar uma palestra - que foi bastante concorrida com presenças e perguntas - fomos almoçar, Gwendolyn Snearl e eu. Ali, ela me perguntou se eu havia percebido que grandes intelectuais presentes à palestra, haviam feito perguntas a mim e que eu respondera de forma sofisticadamente analítica. Acrescentou também, que eles haviam aprendido muito comigo. Surpreendi-me com a questão. Afinal, eu como ativista e mulher de Ogum, sou daquelas que acreditam que tudo sabem. E que também não se intimidam diante de pessoas tituladas. Ela então arrematou: - Você sabe qual a diferença entre você eles? Todos são PHD e você não. Após esta conversa, decidi regressar e buscar candidatar-me a um programa de mestrado segui no doutorado e recentemente no pós-doutorado.

Minha amiga Gwendolyn Snearl é pastora numa igreja negra metodista, no Estado de Luisiana. Eu fui criada numa casa de candomblé. Vi minha mãe visitar o quarto de santo de nossa casa de axé, todos os dias antes de dormir, durante quarenta anos. Eu jamais havia feito o mesmo. Gwen, como a chamamos, levanta-se e se ajoelha aos pés da cama, para pedir a Deus que ilumine o seu dia. Antes de deitar, pede uma boa noite e agradece o dia vivido. Apesar dos ensinamentos de minha mãe, foi com Gwendolyn Snearl que reaprendi a conectar-me diariamente com o meu sagrado.

 

Influências de Neusa das Dores Pereira (afetividades)

 

Vivemos numa época de grandes transformações e novos conceitos e categorias são elaborados e constituídos. Dentre estas temos as inúmeras formas de manifestação das sexualidades. É neste mister que entra Neusa das Dores Pereira um dos meus galhos mais frondosos. Ela segue me ensinando a entender que falar de gênero não inclui automaticamente a sexualidade. É à Neuza a quem recorro e cito todas as vezes que tenho dúvidas e desconhecimentos sobre este tema. Certa vez, ouvi Neuza dizer: –Relação homo afetiva eu tenho com minha neta. Somos duas mulheres e nos amamos. Com minha namorada tenho relações homossexuais. Segundo Neuza, dizem relações homo afetivas para não falar em sexualidade. Para não admitir que pessoas do mesmo sexo fazem sexo.

 

Flores e Frutos

 

[...] Conversei com mulheres negras nos bares, restaurantes, salas de casas, cozinhas, salas de reuniões, auditórios, aeroportos, rodoviárias, passeatas, escolas, universidades, praças e muitas outras ocasiões. Em todas fui descobrindo diferentes valores e visões de mundo, além de estratégias e metodologias de lutas.

[...] frutos e flores que nascem nas universidades onde atuo. São as mulheres que decidem serem minhas orientandas, nos três níveis de formação: graduação, mestrado e doutorado. Balançam-me, desafiam, tencionam, chacoalham e me puxam. Nestes intensos movimentos solidificam minhas raízes que se fincam cada vez mais para se manter de pé. Assim, estes novos e ainda tenros galhos me levam para o alto num infinito que consigo vislumbrar através do engrossar e enroscar de seus galhos que me projetam.

 

Observações: A professora Joselina trabalhou no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri de 2006 a 2013, período que nos propiciou a construção das suas redes intelectuais e orgânicas – Baobá Genealógico, onde demostramos suas contribuições para o campo da biblioteconomia e Ciência da Informação.

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